domingo, 18 de outubro de 2009

Quando a refeição conta mais do que a nota

Do outro lado do telefone, a voz não esconde um misto de revolta e resignação. "Calculo que estejam a ligar por causa dos rankings. Só querem saber de nós nestas alturas", atira José Bruno, director da escola Professor Mendes Remédios, em Nisa, que há três anos figura sistematicamente no fim da tabela das classificações dos exames do secundário.

Só ao quarto telefonema, José Bruno aceitou atender. Antes, confessa, tinha pedido à funcionária para dizer que estaria numa reunião o dia inteiro porque o assunto já o "irrita". Mas lá acabou por falar para "mostrar como é injusto" o tratamento mediático recebido todos os anos por esta altura. "Com base numa seriação de números feita de forma fria e sem qualquer contextualização, os jornais dizem que somos a pior escola pública do país. Parece que não andamos aqui a fazer nada, que mais valia fecharmos a porta e irmos embora. Isso dói. O que mais me desgosta é insistirem em comparar realidades que não são comparáveis", acusa.

As palavras saem-lhe cada vez mais depressa. Atropelam-se. Quando começa a desfiar as dificuldades e carências dos estudantes e de todo o concelho - "esquecido, envelhecido e desertificado" no interior alentejano - percebe-se porquê. Na escola, cerca de metade dos quase 700 alunos do pré-escolar ao secundário são apoiados pela acção social, o dobro da média nacional. Muitos partem para as cidades e vão trabalhar mal acabam o 9º ano. A maior parte dos pais não foi além da escolaridade obrigatória, trabalha no campo, em fábricas de transformação de pedra ou em pequenos serviços. Quase todos "têm muito baixas expectativas em relação ao futuro".

A realidade não pode ser mais diferente da dos colégios privados e escolas públicas das grandes cidades que figuram no topo dos rankings>. Mas o Ministério da Educação (ME) queixa-se, trata todos por igual. "Não tiveram a iniciativa de nos ajudar a melhorar. E nós precisamos de ajuda", desabafa. Ainda assim, José Bruno não desiste. Como os restantes professores do agrupamento e toda a comunidade, "veste a camisola" pela escola. Esta semana, docentes, pais, responsáveis da autarquia e representantes de várias instituições de Nisa encheram o cineteatro local para, em conjunto, elaborar um "plano de melhoria sustentada para quatro anos".

Muito longe dali, também ninguém deixa cair os braços. A básica e secundária do Carmo, em Câmara de Lobos (Madeira), uma das regiões mais pobres do país, costuma aparecer nas notícias pelas mesmas razões. Nos últimos cinco anos, só uma vez não ficou entre as 20 com piores resultados nos exames do secundário. Mas em 2006, depois de ter ocupado a última posição da tabela, traçou-se, mais uma vez sem a ajuda do ME, um plano de melhoria que começa agora a dar os primeiros sinais. O reforço do apoio aos alunos fez disparar as positivas no exame do 9º ano dos 5 para os 56%. E a aposta em cursos profissionalizantes ajudou a reduzir significativamente a taxa de abandono, que dantes era quase o triplo da média nacional. "Um milagre", numa zona onde a maioria dos jovens não quer prosseguir estudos, mas trabalhar o mais cedo possível "para arranjar dinheiro e ajudar a família", conta a directora, Sílvia Carvalho.

Também no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, colado à fronteira no norte da Beira Interior, são muito poucos os que querem ir mais longe. "Temos miúdos de 14 anos que já são os mais escolarizados de toda a sua família. Por isso, pensam que não são capazes de estudar mais e acham que isso de nada lhes serviria", explica a vice-directora, Cristina Perpétuo. Por ali, a pobreza impressiona. Há alunos que a escola tem de incentivar a tomar banho pelo menos nas duas vezes por semana em que têm Educação Física. Quase todos têm nas visitas de estudo a única possibilidade de conhecer a praia, ir ao cinema ou visitar uma cidade.

Por isso, a presença habitual nas últimas posições dos rankings entristece-a, mas não lhe abala a certeza de que, muitas vezes, as notas são o menos importante. "A escola é essencial para terem ao menos uma boa refeição por dia. Para conviverem com outros miúdos porque passam horas sozinhos com as ovelhas, sem ninguém com quem falar".

in"Expresso"

4 comentários:

  1. Que belas conversas de fim de tarde com as ovelhinhas...

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  2. sera so isso que disse o bruno??
    os alunos mais desfavorecidos desintereçam-se pela escola porque nao sao tratados como os outros!! muitos das pessoas de nisa vao estudar para portalegre, onde o ensino é melhor e os professores nao se preocupam so com os filhos dos amigos!!
    essa escolinha de nisa vai fechar e esse é o medo dos professores (no final do ano lectivo fecham os alunos de 9º ano numa sala e falam mal do ensino em portalegre, para estes nao mudarem de escola. pois se isso acontece, esses professores da trata ficam se emprego!!)

    nesse dia vou estar na promeira fila a assistir a ruina desses professores!!

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  3. Sobre o acidente que vitimou o Sr. Vilela há que apurar responsabilidades, porque uma vida não tem preço, seja em que circunstancias ela termine…
    Atribuir o facto ao hábito beber uns copitos de vinho não pode ser só factor suficiente.
    Pode e certamente haverá toda uma série de condicionantes que levaram a este triste desfecho.
    A Rua Dr. Oliveira Salazar, agora chamada de 25 de Abril e mais conhecida por Estrada de Alpalhão tem estado ás escuro no início da noite pois a iluminação pública “só desperta” depois da noite ser trevas.
    Devido a falta de iluminação o ex funcionário municipal depois da queda encontrava-se caído a metros da bicicleta quando foi barbaramente pisado por um automóvel que de desviava do veiculo de duas rodas.
    Podem confirmar junto dos habitantes da referida artéria que no dia seguinte a iluminação pública começou a funcionar a horas correctas.
    Como este diversos são os casos que depois de casa arrombada, trancas na porta.
    Portugal da Europa ou de Africa?

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  4. este blog anda a perder o salero!! as pessoas devem andar cansadas ainda da campanha!!

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